Impactado pela maior tragédia humanitária (em escala global) de nossa geração, o Brasil agiu para enfrentar o coronavírus e a estratégia ensandecida do presidente da República, que sempre pregou a livre circulação do vírus com o fim de atingir a tal imunidade de rebanho, caminho que teria levado a um precipício e a um número extraordinariamente alto de mortes.

Tendo que enfrentar dois inimigos poderosos, o vírus e o presidente, o Brasil realizou um combate cheio de contradições. Mesmo assim, o distanciamento social salvou milhares de vidas, graças à ação de governadores, prefeitos e ao forte apoio da mídia brasileira. A despeito de tudo isso e da tardia vacinação, estamos caminhando para 600 mil mortes pela Covid-19.

O distanciamento social salvou muitas vidas, mas também afetou muitos setores de nossa estrutura social, econômica e cultural. A questão agora é dimensionar o tamanho e a natureza dos impactos. Na área da economia, uma vez cessada a causa do distanciamento, a recuperação pode ser rápida, afinal, as crises cíclicas já fazem parte da história do capitalismo.

Há, todavia, uma área em que os impactos negativos serão sentidos por anos. E ela é justamente a área que tem maior potencial para reduzir ou aumentar as mazelas oriundas da extrema desigualdade que marca nossa estrutura social. Trata-se da educação.

Milhões de crianças, adolescentes e jovens estão afastados das escolas desde março de 2020. Quais os impactos desse afastamento e que medidas adotar daqui para frente para conseguirmos reduzir o tempo de recuperação dos indicadores educacionais relacionados ao aprendizado e à convivência social, vital para o desenvolvimento de rede de contatos e de amizades?

Mesmo com a falta de coordenação por parte do Ministério da Educação, estados e municípios adotaram medidas para tentar manter algum grau de atendimento aos estudantes, a exemplo do governo do Piauí, que criou a TV Escola para servir e dar suporte às atividades remotas da rede de ensino.

Todavia, limites estruturais poderosos atuaram para frustrar boa parte dos resultados esperados pela educação a distância, método possível num contexto de afastamento social. Dentre os limites, destacam-se a enorme desigualdade de acesso a computadores e à internet de boa qualidade, a dependência de dados móveis e as precárias condições de grande parte das residências, que dificultam a execução de uma rotina regular de estudo em casa.

Diante desses fatores, especialistas são unânimes em afirmar e as primeiras pesquisas unânimes em constatar: a falta de aulas presenciais provocou enorme déficit de aprendizado e é fator poderoso de ampliação da evasão escolar.
Assim, ficamos diante de questões cruciais, tais como: crianças matriculadas, mas que não estão conseguindo alcançar a alfabetização plena; adolescentes que perderam a oportunidade de dominar as regras básicas da gramática, da leitura, bem como as noções fundamentais da matemática; e jovens que não se sentem atraídos pela escola, tendendo a engrossar o drama da evasão escolar nas séries finais do ensino fundamental e do ensino médio.

Diante desse quadro, o Brasil não pode cair na ilusão de considerar que apenas as respostas de antes da pandemia resolverão o problema desta geração de estudantes. Isso equivaleria a deixá-los entregues à própria sorte, ou melhor, ao próprio azar. A retomada do ensino presencial por si só não resolve o problema, pois o paciente precisa de transfusão de sangue.

Serão necessárias medidas extraordinárias para enfrentar o desafio da exclusão educacional provocada pela Covid-19. Não é com cortes no orçamento do Ministério da Educação que conseguiremos enfrentar o desafio, bem ao contrário, precisamos de um orçamento extraordinário para a recuperação da educação pública no Brasil, a exemplo do que fizemos com o orçamento extraordinário para o Ministério da Saúde em 2020.

Esse orçamento extraordinário, concebido numa articulação que envolva o Congresso Nacional e os governos federal, estaduais e municipais, deverá financiar atividades extras de reforço escolar voltadas para o fortalecimento das escolas e dos estudantes. Para isso, obviamente, uma ampla e participativa avaliação dos impactos deverá ser realizada sob coordenação de comissão intersetorial e intergovernamental.

Trata-se de conceber e executar um amplo mutirão de resgate da educação pública, devendo o mesmo contemplar um programa de reforço escolar, aumento do tempo de permanência na escola, atividades culturais e esportivas voltadas para integração, mobilização e motivação dos estudantes.

Do ponto de vista operacional, será necessário:

• Realizar Avaliação Nacional para verificar o grau de comprometimento do aprendizado em razão da pandemia na rede pública de ensino;
• Criar Programa de Recuperação e reforço de conteúdos nos contraturnos e nos períodos de férias escolares pelos próximos quatro anos;
• Criar Fundo para a Recuperação da Educação Brasileira, com o objetivo de captar recursos para custear o Programa.

Este é o caminho. Soluções de mercado não resolverão os problemas gerados pela Covid-19 na educação pública brasileira. É preciso ação de Estado. É fundamental uma ampla mobilização nacional em defesa da educação, em defesa de nossas crianças, adolescentes e jovens.

Merlong Solano é deputado federal (PT-PI)

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