O Brasil levou quase 500 anos para elaborar e consagrar em lei o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), com o fim de garantir acesso ao ensino fundamental e criar condições para a valorização dos professores. Isso por si só demonstra que as prioridades dos governantes eram outras e não levavam em conta o enorme potencial que tem a educação como fator de redução das desigualdades sociais e como base indispensável para o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico, bem como para a sustentabilidade ambiental.

Somos ainda tributários de uma época em que a qualidade da educação pública não estava em pauta, pois havia a questão mais urgente de abrir vagas para as crianças terem acesso ao ensino fundamental. Eu mesmo tive que fazer exame de admissão para poder garantir minha matrícula no Ginásio Popular de Teresina e, assim, poder cursar os anos finais do atual ensino fundamental.

Pois bem, em paralelo ao Fundef, essa pequena conquista que escapou ao ideário neoliberal do governo FHC, a História Social deu alguns passos à frente, o povo perdeu um pouco o medo de ser protagonista na política e elegeu um operário presidente da República. Os resultados dessa ousadia foram notáveis na área da educação, desde o ensino infantil até a pós-graduação.

Com Lula presidente, em apenas quatro anos o Brasil chegou ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Com ele, a tarefa quantitativa foi ampliada em muito e os governos passaram a trabalhar com metas para universalizar a educação básica, abrangendo desde a educação infantil até o ensino médio. Mais importante, a busca pela qualidade entrou efetivamente em pauta e com ela tantos programas foram ampliados ou criados, dentre os quais destaco a merenda escolar, o livro didático, o Mais Educação, a escola de tempo integral, o piso nacional do magistério etc.

Todavia, do mesmo modo que avança, a História das Sociedades também dá passos para trás, como bem demonstram os primeiros séculos da Idade Média na Europa Ocidental face a Antiguidade Clássica. No Brasil, aparentemente cansada dos limites da nossa democracia incompleta e fortemente estimulada pela grande mídia e enorme manipulação nas redes digitais, parte da sociedade abandonou a esperança e apostou no ódio. Resultado: Bolsonaro presidente.

Até aqui, o efeito Bolsonaro sobre a educação tem sido catastrófico. A concepção geral do governo nessa área tem sido profundamente ideologizada e, de outro lado, tratada com superficialidades inconsequentes do tipo: “os livros do MEC têm que ser suavizados, tem muita coisa ali”, como disse o próprio presidente. A escolha dos ministros Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub inaugurou um período de obscurantismo, incompetência e grave irresponsabilidade social no MEC.

O desinteresse do governo federal pela educação pública fica mais que evidente no caso do Fundeb, cuja vigência se encerrará em dezembro deste ano. Mesmo com votos suficientes para aprovar emendas constitucionais, Bolsonaro e seus ministros simplesmente ignoraram o assunto, atestando incompetência de não saber o que fazer com o sistema educacional, ou o interesse declarado de destruir o sistema educacional implantado a partir da Constituição de 1988, que abriu caminho para a criação de grandes marcos: o Fundef, o Fundeb e o Plano Nacional de Educação.

A não renovação do Fundeb desmontaria o sistema educacional público ao extinguir, na prática, o modelo de cofinanciamento e distribuição de atribuições entre Municípios, Estados e União. Com isso, Bolsonaro daria efetividade ao discurso feito nos Estados Unidos, quando disse que veio para desconstruir. Voltaríamos ao tempo em que a “educação é direito de todos e dever do Estado”, mas sem a provisão dos recursos necessários à oferta do serviço.

Se o objetivo do governo federal é implodir o sistema público, ele escolheu o alvo correto, pois o ensino fundamental seria a maior vítima da não renovação do Fundeb, uma vez que os municípios recebem mais recursos do que colocam no fundo; cabendo aos estados o encargo maior na composição do fundo. No caso do Piauí, por exemplo, o estado recebe de volta menos de dois terços do que contribui, sendo, portanto, cofinanciador do ensino fundamental ofertado pelas redes municipais.

Urge, pois, que o Congresso Nacional assuma em relação à educação o papel de protagonista que assumiu em relação à pandemia do novo coronavírus, quando não esperou pela iniciativa do poder executivo e nem se submeteu aos limites da insensibilidade do presidente e do neoliberalismo fundamentalista do ministro Guedes.

O caminho está traçado. Trata-se de aprovar o substitutivo à Proposta de Emenda Constitucional nº 15/2015, elaborado pela deputada professora Dorinha, que teve a capacidade de agregar contribuições de diversos partidos e dos movimentos de profissionais da educação.

Embora não tenha incorporado algumas das propostas do PT, como a destinação de recursos do petróleo e gás para educação e a ampliação da contribuição da União para 40% do fundo, o texto avança muito ao tornar o Fundeb permanente. Além disso, amplia a contribuição da União de 10% para 20% e enfatiza o caráter redistributivo do Fundeb, assim como abre a possibilidade de introduzir o conceito de resultados na gestão escolar, pois condiciona a indicadores de desempenho a distribuição de 2,5% dos 10% de recursos novos resultantes do aumento da contribuição da União.

MERLONG SOLANO
Deputado federal (PT), professor, historiador e economista

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