Com a profundidade de um prato raso, a análise da grande mídia pede a demissão da comissão técnica e acha que isto resolverá o problema da nossa seleção. É certo que Luis Felipe Scolari, apanhado pelo apagão de sua seleção, parece atordoado e não se dá conta da gravidade do problema e acha que esta copa é apenas a preparação para a próxima. Não percebe que o problema não é ter ficado em quarto lugar, afinal eram 32 seleções, mas a forma como o Brasil jogou em toda a copa e principalmente o vexame diante da Alemanha. Mesmo concordando que a era Felipão está superada, acho que o problema é mais profundo e que a mudança de técnico é apenas analgésico incapaz de combater a grave infecção de que padece nosso futebol.

O doloroso naufrágio de nossa seleção deve servir como oportunidade para uma profunda reforma das estruturas do futebol brasileiro, tendo sempre em foco que este esporte maravilhosamente popular não pode ficar entregue ao domínio de poucos tubarões que dominam a CBF a décadas, de federações desorganizadas e de clubes fracos e geridos sem transparência. Há ainda a presença da grande mídia, que decide o horários dos jogos, e de alguns grandes empresários. Enquanto isto, nós que amamos o futebol, lotamos estádios, inflamos a audiência da TV e compramos produtos esportivos ficamos alienados, no papel de bobos da corte.

Um dos principais sintomas de que a crise não é apenas da seleção, e sim do futebol brasileiro como um todo, está no fato de que boa parte dos atletas desta seleção não jogaram em clubes brasileiros ou jogaram muito novos, ainda bem no inicio de suas carreiras. Eu, por exemplo, ouvi falar pela primeira vez em vários jogadores apenas depois de sua convocação. Foi assim com Hulk, David Luis, Jeferson, Willian, Dante, Maxwell e outros. Porque o futebol brasileiro, que foi capaz de revelar em nossos clubes tantos atletas de primeira linha (Pelé, Garrincha, Amarildo, Rivelino, Tostão, Gerson, Zico, Sócrates, Falcão, Romário, Kaká, Ronaldo, Ronaldo Gaúcho, dentre outros), se vê hoje na dependência de convocar jogadores formados na Europa?

Acho que este fato tem menos a ver com o acontece nos gramados e nos campos de várzea e muito mais com a gestão da CBF, dos clubes, dos contratos de patrocínio, dos contratos de mídia e da ação pesadíssima dos empresários que aproveitam a privatização total do futebol desde a chamada Lei Pelé, que é de 1998, para promover verdadeiro tráfico de jovens promessas para os clubes europeus e asiáticos. O futebol é um negócio que envolve bilhões: potencializada pela Copa das Copas que acabamos de realizar, com sucesso absoluto, a indústria do futebol gera 60 bilhões no Brasil e pode chegar a 2 milhões de empregos. É óbvio que uma atividade desta envergadura, que gira em torno de um dos símbolos do nosso País, não pode continuar sendo tratada nos porões da Confederação Brasileira de Futebol, ao sabor dos interesses de poucas empresas.

Precisamos de transparência na gestão da CBF, na gestão das federações e na gestão dos clubes. Precisamos retomar o veio popular do futebol, que é a nossa principal marca. Para isto será necessário alterar a lei Pelé com o fim de criar instrumentos de controle social sobre a CBF e sobre os Clubes, que não podem continuar geridos como negócios privados uma vez que operam com largos volumes de recursos públicos e recursos sociais, inclusive recursos orçamentários como é o caso de 0,5% da arrecadação das loterias, que é repassado aos clubes com de apoiar a formação de atletas olímpicos e paraolímpicos. Precisamos também incentivar as escolinhas de futebol e os campeonatos escolares.

A resposta a estas e outras perguntas e a estas e outras providências exige debate nacional, no âmbito do Congresso Nacional, e a firme coordenação do Governo Federal. Nós que realizamos a Copa das Copas, temos agora a tarefa de realizar profunda reforma das estruturas do nosso futebol, com vistas à redenção do esporte mais popular no Brasil e no mundo, o Futebol.

Categorias: Artigos