Por Antônio José Medeiros

Começo manifestando minha solidariedade aos companheiros Zé Dirceu, João Paulo, Genoíno e Delúbio; os dois primeiros mais que companheiros, são amigos pessoais. Ser solidário não é necessariamente estar “do lado”, mas é sempre estar “ao lado”, sobretudo nos momentos difíceis que a pessoa está atravessando. Entre amigos, é uma questão de sensibilidade e de dignidade. Estou triste pelos companheiros e amigos estarem enfrentando a prisão.

Que o PT pisou na bola não resta dúvida. Eu duvido é que se esteja vivendo um momento histórico de enfrentamento da impunidade e de mudança na cultura política dominante no Brasil, que envolveu inclusive o PT. A política brasileira está contaminada pelo “Caixa 2″ (dinheiro para financiamento de campanha) e pelo “Caixa 3″ (apropriação de recursos públicos para benefício pessoal). E uma coisa precisa ser destacada: o chamado mensalão, em nenhum momento, foi apontado como Caixa 3; não se pode acusar os petistas envolvidos de desonestidade pessoal.

O PT, infelizmente, entrou nesse jogo perverso do Caixa 2, em parte do financiamento de suas campanhas, prática adotada por 90% dos políticos brasileiros, de cima a baixo, nos níveis federal, estadual e municipal. Com sua tradição de trabalho organizado e coletivo, o PT adotou esse mesmo estilo no novo e infeliz modelo de financiar campanhas. Por isso aparece como uma coisa muito grande. Mas não tenho dúvida de que, se somarmos os Caixas 2 individuais dos candidatos e eleitos dos grandes partidos, encontraremos muito mais dinheiro do que o contabilizado na Ação Penal 470. Sem falar nos Caixas 3.

Há dois complicadores: o que os partidos que receberam dinheiro fizeram com ele não é de controle do PT. Por outro lado, utilizou-se um mecanismo engenhoso de captação e repasse, o know-how de Marcos Valério, adquirido na campanha de Eduardo Azeredo, do PSDB, ao governo de Minas Gerais, em 1998. Maldita a hora em que o Marcos Valério foi apresentado ao Delúbio! E aqui já se evidencia o ressentimento de elites conservadores, muito bem orquestrado pela grande mídia, contra o PT. O caso Azeredo aconteceu seis anos antes do “mensalão” e até hoje não foi julgado e ninguém foi condenado. O combate à impunidade e a moralização da política são pra valer ou é apenas uma retórica para encobrir o ressentimento contra o PT?

Vamos aguardar um ano para o STF dizer o que está querendo mesmo. Basta lembrar os casos do Arruda em Brasília (que quer ser candidato em 2014, e não duvido que seja) e o caso do senador Demóstenes Torres, ambos do DEM e os casos mais recentes do cartel no metrô de São Paulo a serviço do PSDB e agora da máfia dos fiscais na Prefeitura de São Paulo. O STF mandou o Congresso votar 3.000 vetos; quantos processos de corrupção tramitam naquele Tribunal e não foram julgados? Com certeza, não menos de 200. É triste e revoltante ver o Zé Dirceu e o Delúbio na cadeia e os Maluf e os Collor da vida política andarem soltos por aí, para citar só dois exemplos notórios. O Genoíno, meu Deus, nunca se interessou por questões administrativas e financeiras; sempre foi um obcecado pelo debate político e ideológico. E nunca entendi o que problemas numa licitação na Câmara Federal quando o João Paulo era presidente têm a ver com o que se estava apurando – aliás, as acusações nunca foram comprovadas.

Vejo nisso tudo, um grande ressentimento das elites conservadoras contra o PT. O PT surgiu como uma experiência nova na política brasileira: ligado firmemente aos interesses populares; combativo e firme nas denúncias; e inovando pela incorporação da ética na cultura política, em boa parte pela presença dos cristãos no PT. As elites conservadoras nunca perdoaram a combatividade e as denúncias do PT contra elas; agora estão se vingando e se deliciando. Também não aceitam que o PT seja a principal força política do país e esteja à frente do governo federal, tendo tido como presidente um operário e agora como presidenta uma ex-guerrilheira. Elites que sempre mandaram e desmandaram nos políticos, agora terem que conversar e negociar com outros políticos; é demais para elas!

Quando distingo os setores conservadores das elites estou chamando a atenção para uma questão da mentalidade autoritária, pseudo-aristocrática e mesquinha, que é uma herança dos senhores de escravo. Boa parte das elites econômicas e políticas aceitou a coexistência pacífica (ou mesmo a boa convivência) com o PT ou pelo menos com os governos que ele lidera. E as concessões foram de parte a parte. No campo econômico não só o setor produtivo, mas até o capital financeiro, tiveram seus espaços respeitados e ate alargados. No campo político, o chamado “presidencialismo de coalizão” tem assimilado muito do estilo e das cobranças dos políticos tradicionais. A habilidade de Lula foi decisiva nesse processo de aproximação. O jeito durão da Dilma cria conflitos; mas, para mim, alguns “defeitos” apontados nela, são, de fato, qualidades. É portanto conservadorismo mesmo, a postura virulenta, desrespeitosa e até cínica (porque sabem que não estão falando a verdade) de certos setores. Basta observar o comportamento de determinada revista semanal.

E o pior para elas (as tais elites conservadoras), é que os governos do PT estão dando bastante certo. Apesar das concessões e dos erros, não se perdeu o DNA da opção pelos mais pobres. Até os adversários – mesmo os conservadores – têm de reconhecer o avanço da inclusão social, assim como a retomada de uma política de desenvolvimento e a maior afirmação do Brasil no cenário internacional. Embora, não desistam de desqualificar os programas governamentais. Se o governo do PT não tivesse o desempenho que está tendo, não suportaria nem a metade da carga que a mídia faz contra ele!

E aqui entra o espetáculo, fenômeno típico da cultura de massas contemporânea, em que tudo é entretenimento, é passageiro (celebridades por um dia) e onde o que vale é a versão. Que as elites conservadoras usem a mídia para construir a versão maldosa de um mensalão (e não questões de financiamento de campanha) e para fazer uma cruzada contra o PT se insere na lógica da disputa política e ideológica. O que surpreende é o comportamento dos STF e seus ministros. Nunca na história desse país, como diria o Lula, o Supremo tinha dedicado um número tão grande de sessões consecutivas a uma só ação em julgamento. A regra é incluir mais de um processo na pauta de cada sessão, retomados nas sessões posteriores. E a cobertura não só pela TV Justiça mas por emissoras comerciais que chegaram a mudar sua programação. E mais: marcar o julgamento para o período da campanha eleitoral (ainda bem que a manobra não funcionou ).

Infelizmente os Ministros do STF entraram no jogo. Em muitos momentos se comportaram como estrelas midiáticas: o mise en scène (gestos largos), as palavras ensaiadas e carregadas, a quebra do clima de urbanidade que predomina nos tribunais, etc. É impressionante como na revisão dos votos para o acórdão alguns ministros pediram para cortar mais de mil expressões; com certeza, as expressões carregadas, ensaiadas ou intempestivas, que não pegariam bem para sua biografia de magistrado.

Vamos, então, ao ponto central da questão: o discurso sobre o começo do fim a impunidade e sobre a moralização da política é sincero, terá consequências? Suspeito que não. Ficará na mera retórica. O STF e os demais tribunais têm um tempo de crédito. Sem a pressão da mídia e considerando quem são os acusados (políticos tradicionais e grandes empresários) quando sairão os próximos julgamentos e quais serão as sentenças?

E as mudanças na cultura política? Ou fazemos uma reforma política ou continuaremos tendo a reprodução de Caixa 2. A mídia ridicularizou e muita gente não entendeu a proposta da Dilma de um plebiscito sobre a reforma política. O recado dela era de que o Congresso dificilmente fará a reforma; que o povo a faça. Cinco ou seis perguntas são as fundamentais e a grande maioria dos eleitores tem capacidade operacional de respondê-las na urna eletrônica. Reeleição, coincidência de mandatos, fidelidade partidária inclusive com proibição de coligações proporcionais, cláusula de barreira ou “piso eleitoral” para que um partido tenha representação parlamentar e financiamento das campanhas.

Esse último ponto é o mais complexo e polêmico. Se a pergunta for sobre financiamento público de campanha, 90% vai votar contra. O caminho é outro: acabar com o financiamento para comitês individuais de candidatos, passando o financiamento a ser gerenciado pelos partidos, a limitação das contribuições individuais e a limitação ou mesmo proibição de contribuições de empresas.

A mudança do modelo de financiamento de campanha é o ponto de partida para qualquer mudança na cultura e na prática política do Brasil. Não tenho dúvida de que o Caixa 2 se reduzirá imediatamente em pelo menos 50%. E o Caixa 3 se desmascarará, não podendo ser considerado como fundo para campanha, mas sim como a apropriação indébita que é, muito mais fácil de punir. Se isso ocorrer, os companheiros do PT reconhecerão que o constrangimento por que estão passando não terá sido em vão.

Repito: acho que o PT pisou na bola. Digo PT, porque embora a maioria dos militantes e filiados não tivesse conhecimento do que se passava, o novo estilo de mobilizar recursos para as campanhas se espalhou por todo o partido. E esta é a questão final para os petistas. Temos vontade política e condições de largar o estilo tradicional de política que terminamos assimilando? A estrela só retomará seu brilho se, ao lado de uma política de inclusão social e de promoção do desenvolvimento, retomarmos a bandeira da ética. Mas esse é um tema para outro artigo.

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