Existem razões em abundância para o cidadão reclamar do Estado no Brasil. A qualidade da educação pública, considerando o investimento feito, poderia ser melhor; são grandes as filas para cirurgias no SUS; a insegurança preocupa número crescente de famílias; o poder judiciário é visto como ambiente de privilégios que acoberta os ricos com o manto da “justiça”, enquanto o legislativo é caro e avaliado com desconfiança pela maioria das pessoas.

Nenhuma destas preocupações está na base dos fundamentos da matéria em que a revista Época, de 13/06/11, questiona a presença do governo federal na economia brasileira. O que aparece mesmo, com toda ênfase, é a defesa do velho liberalismo e o seu bordão mais conhecido, o do Estado Mínimo.

A matéria tenta demonstrar a existência de uma espécie de capitalismo de Estado no Brasil. Na falta de fundamentos embasados em boa análise econômica, a revista inventa uma categoria analítica chamada “empresas sob influência do governo” e aplicando este conceito, tão firme quanto areia movediça, chega ao número de 675 empresas influenciadas pelo governo federal.

Com o fim de atingir o objetivo previamente definido, isto é, demonstrar o gigantismo do governo na economia, a revista arrolou todas as empresas que contam com algum tipo de participação acionária do governo e de suas principais estatais: o BNDES, Banco do Brasil, a Caixa, Eletrobrás e Petrobrás.  Se apropriando do patrimônio de milhares de trabalhadores, a “metodologia” da revista também classifica como empresa sob influência do governo todas as que tiveram ações compradas por qualquer dos fundos de pensão dos empregados das estatais referidas acima.

A fragilidade da “pesquisa” está evidenciada nas tabelas publicadas a partir da pag 72. Como empresas sob “influência do governo federal” aparecem, dentre outras: a AGESPISA, da qual o governo federal tem 1,2% do capital; a AMBEV, da qual o governo federal tem 3,8% do capital não votante; o BRADESCO, do qual o governo federal tem 3,7% do capital não votante; a BRADESPAR, da qual o governo federal tem 1,2% do capital; a BRASIL TELECOM, da qual o governo federal tem 0,6% do capital não votante;

Por este caminho tortuoso segue a revista misturando na mesma panela empresas estatais, com empresas das quais o governo possui ações, com empresas das quais as estatais possuem ações e com empresas das quais os fundos de pensão dos empregados das estatais possuem ações. Nem mesmo tiveram o cuidado de selecionar as participações majoritárias, pois empresas em que o governo ou as estatais têm participação mínima também estão relacionadas. Até a CLARO, onde a participação acionária do governo aparece como negativa (-0,05%) está na lista(pag 76).

Para completar o serviço a matéria soma o faturamento total das 628 empresas não financeiras (ditas sob “influência do governo”), inflando assim a participação governo na geração do PIB, que seria de  30%. Ora, o engodo está aí evidenciado; mesmo que estas empresas fossem 100% estatais, 70% do PIB do setor não financeiro ainda seria privado. Agora, o que dizer de conclusivo sobre a participação do Estado na economia com base numa lista que mistura empresas totalmente do Estado, a exemplo da CAIXA e da EMBRAPA, com empresas privadas onde o Estado tem participação acionária mínima?

Evidenciando grande desconhecimento da realidade brasileira, a revista – ao criar este conceito de empresa sob influência do governo – se esquece que, de acordo com a legislação, todas as empresas legalmente constituídas sofrem diversos tipos de influência do governo, em razão das políticas públicas que impactam a economia. Alguns exemplos: o salário mínimo é votado em lei e seu cumprimento é fiscalizado pelo ministério do trabalho; a legislação previdenciária; a legislação tributária; as políticas fiscal e monetária, etc.

Trata-se pois de matéria de cunho panfletário que tem o objetivo de tentar retirar da defensiva, no campo político, as forças privatistas enfraquecidas pelas severas derrotas sofridas em 2002, 2006 e 2010. Precisamos ficar atentos. Não é o caso de fazer a defesa do estatismo (afinal o corporativismo também prejudica a sociedade), mas de combater a ideologia do Estado Mínimo e buscar os ganhos advindos do Estado Necessário. Um Estado que atua em áreas econômicas de interesse estratégico, que é capaz de regular, incentivar e fiscalizar as atividades privadas e de prestar bons serviços em áreas de interesse coletivo, tais como educação, saúde, ciência e tecnologia, cultura, justiça e segurança.

 

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